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Marisa Monte - Não é Fácil.

já diz tudo...

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Vai passar...

Vai passar, tu sabes que vai passar...
Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe?

O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada “impulso vital”. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como “estou contente outra vez”. Ou simplesmente “continuo”, porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como “sempre” ou “nunca”.

Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicídio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim – nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como “não resistirei” por outras mais mansas, como “sei que vai passar”. Esse é o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.

Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente – e não importa – essa coisa que chamarás com cuidado, de “uma ausência”.

E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração.

Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.

Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar.

Então fingirás – aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho.

Achando graça, pensarás com inveja na lagartixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.

Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.

Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
- … mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca …


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Para uma avenca partindo...

" (...) você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço.

(...) Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?

(...) Fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente em nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse. Acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas. (...)"

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Votos de Ano Novo


Ela abre o e-mail e confere uma mensagem muito carinhosa de sua ex-chefe.
Sem fazer jus a qualquer estereótipo de chefe mala, esta era uma fofura de pessoa.
Sempre atenciosa e disposta, conversava muito com Ela, inclusive sobre os assuntos pessoais, e acabaram desenvolvendo muito carinho uma pela outra.

A mensagem da chefe terminava assim:

“Beijo enorme!!! Boa sorte e um 2011 maravilhoso pra você!
Além do novo trabalho, que venha um novo amor tbm!!!”


O sorriso que Ela estava mantendo enquanto lia a mensagem se desarmou exatamente ali.
“que venha um novo amor tbm!!!” Porque? Porque Ela iria querer um novo amor se está inteiramente recheada, coberta, soterrada de seu “amor de sempre”? Ainda que ele não seja mais correspondido, ainda que nunca volte a ser, ainda que sua única companhia para o resto da vida seja esse seu “amor de sempre”, ele é dela, nasceu dentro dela, foi cultivado, mimado e tratado por Ela sempre. E sempre vai estar aqui. Sempre vai ser dele, mesmo que Ele não queira.
Sempre serão de Ele os beijos apaixonados de Ela, sempre permanecerão ali arrumadinhos, envolvidos em papéis de seda como em uma caixa de presentes, os abraços, os carinhos, as mãos dadas, a companhia, os sorrisos! Tantas coisas que são só dele.

Pensando em todas estas coisas, uma por uma, numa lista interminável de tudo que Ela quer dar a Ele e que um novo amor traria, Ela tem a certeza de que, em 2011, ela quer sim um novo amor: o “amor de sempre” de novo e de novo....
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Independente de onde esteja

"O Ministério da Saúde adverte: shoppings lotados desestabilizam sua saúde
emocional e podem causar surtos de pensamentos sombrios e lágrimas abusadas."


Sabe quando a falta que uma pessoa te faz é tão grande que você começa a procurá-la, e a acreditar que vai encontrá-la, onde quer que você esteja, mesmo tendo a certeza de que ela nunca estaria naquele local e naquele horário?

Então... é exatamente isso que acontece com Ela.
Independente de onde esteja, Ela sempre começa a procurá-lo.

E foi num shopping, na Barra da Tijuca, às 18h de uma terça-feira pós-Natal, que Ela surtou e começou a achar que iria vê-lo. Chamo de surto não para ser rude, mas porque foi verdadeiramente um surto! Ela olhava para todos aqueles rostos vindo e tinha a certeza - mais do que isso - a convicção de que um deles seria o dele, com o sorriso estampado e os olhos simpáticos de (quase) sempre. Ela esqueceu de lembrar que, naquele horário, Ele não só estaria a quase 50km de distância como estaria dentro de um escritório, trabalhando. Para que lembrar disso? Sua mente se recusava a ser racional e seu coração disparava a cada novo rosto frustrante que não era dele.

Uma tristeza sem tamanho começou a tomar conta de cada pequeno pedaço do seu corpo, quando Ela por fim se deu conta do surto em que entrou. “Porque Ele estaria aqui? Porque Ele sorriria para mim, se estivesse aqui? Porque eu sou tão burra e não consigo esquecê-lo nem no meio desse shopping lotado? [falando nisso, alguém tenha a bondade de avisar a esse povo que o Natal já passou? Porque eles ainda estão lotando os shoppings?] Porque Ele não pode, simplesmente, estar aqui de verdade?”. Seus pensamentos são incontroláveis, mas aprenderam a ser assim com suas primas de 1º grau, as lágrimas. Essas, péssimos exemplos que são, nunca se importam se estão na frente de desconhecidos, no ônibus, na rua ou num shopping abarrotado. Elas simplesmente caem, abusadas e desobedientes.

“O que eu vim fazer nessa droga de shopping?” Aí, lembra: Veio encontrar a mãe que a está esperando na Saída B, que Ela não faz idéia de onde fica e se irrita a cada passo. Por fim, a encontra e desaba. “Vamos embora daqui, por favor!”. E vão, para longe do shopping, longe das pessoas, longe do barulho e dos rostos vindo. Mas Ele ainda está lá. Sempre. Independente de onde Ela esteja.
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Voando e "O abraço"

"O tempo passou voando e, olha só, já é Natal."

O tempo passou mesmo voando! Pensar no final de 2009, me faz perceber como realmente passou rápido. O engraçado é que eu tive a impressão de que esse ano jamais chegaria ao fim. Nossa que ano difícil! Avaliar 2010 vai ser tarefa dura demais. Posso dizer com todas as letras que N-Ã-O foi um ano bom. Mas, felizmente, apesar do balanço ser negativo, sempre pude contar com a presença daqueles amigos-anjos [sabe aqueles que da pra contar nos dedos de uma das mãos? O suficiente!].

"Que vá embora de uma vez por todas esse ano!" Este é o pensamento que estará comigo nesta semana que ainda falta! Estou literalmente contando os dias para o fim desta etapa e para o começo de uma nova. Temos esse costume de dividir a vida em anos, sempre achando que o ano que se inicia vai trazer uma nova fase. Mas, dessa vez pelo menos, isso é mais do que uma expectativa. Já vou começar janeiro numa outra estrada. Espero que me leve a caminhos produtivos. Sabe o clichê "Ano novo, Vida nova"?.. vou adotá-lo como minha única Resolução de Ano Novo e seguir.


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O Abraço





A cada andar que o elevador ia passando, seu coração saltava como uma criança no pula-pula. Medo, alegria, nervosismo, ansiedade, tudo ao mesmo tempo e se misturando dentro dele. "Elevadorzinho malvado esse que cisma em parar em todos os andares!" 20º..19º..18º.. desce até o 15º só para Ela achar que dessa vez vai direto e para. Uma moça feliz e animada para o Natal pede um minutinho da descida dos coleguinhas, para abraçar a ascensorista e desejar tuuuudo de melhor em 2011. Enquanto isso, todos esperam! "Ninguém esta mesmo com pressa para chegar lá em baixo." Devem ter passado apenas 40 segundos, mas Ela olha para o relógio vezes suficientes para todo um ano. 11º...9º...5º... mais gente entrando e Ela louca para sair! Cogitou descer o resto do caminho de escada, mas eram tantas pessoas à frente da saída do elevador, que julgou menos trabalho ter mais paciência. "É uma prova! Isso.. um teste de paciência! Vou esperar!", pensou. 2º... G2...G1... Térreo! "Acredita que chegamos ao térreo?" - Sim, sua mente tem a estranha mania de lhe perguntar coisas. Acha que tem liberdade de pensamento. O pior é que Ela a responde de vez em quando.


Ainda não tinha nem passado o crachá para liberar a roleta, mas já tinha o visto lá fora através do vidro. A mochila preta, a calça e a blusa social, o cabelo, os olhos e, finalmente ela pode ver, o sorriso. Seu coração, que antes era uma criança levada no pula-pula, agora era um velhinho com ataques epiléticos dentro dela. "Não chore, não desmaie, deseje 'Feliz Natal' às pessoas, sua mal educada!" - É bom ter uma mente que dá leves esporros!


O abraço. Ela poderia estar até agora encaixada nele se os espasmos dentro dos olhos não a tivessem lembrado de que ia desabar a qualquer minuto. O abraço que sempre será dela, mesmo que conforte outras pessoas dentro dele, mesmo que fique vazio por algum tempo. Quando está dentro dele, ela pode sentir que ele está perfeitamente igual e seu. O abraço traz com ele o cheiro, a voz perto do ouvido, a barba encostando no rosto, as mãos tocando as costas. Sim.. Ela, sem dúvidas, poderia estar dentro dele até agora.


"Por que você está chorando?" Aqueles olhos lindos a paralisam perguntando aquilo que já sabem. "Eu te amo!", Ela pensa, sente e dói. "Não tô não!", Ela responde e sorri.
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Uma dupla muito conhecida

Estou lendo "Comer, rezar, amar" de Elizabeth Gilbert, que ganhei no amigo oculto da Acos. Ouvi opiniões bem diversas sobre ele, mas a maioria dizia que ele era meio cansativo e enjoadinho, e que, ainda assim, merecia não ser abandonado, porque no final a coisa melhora e a história engrena.

Como eu quero muito ver o filme, com a maravilhosa Julia Roberts, e não gostaria de fazer isso antes de ter lido o livro - simplesmente porque essa é a ordem de minha preferência - estava mesmo querendo ler e fiquei feliz de ganhá-lo no amigo oculto. Comecei a ler no mesmo dia e não estou achando cansativo e, tampouco, enjoadinho, o que me dá uma enorme expectativa sobre o final dele, já que o esperado é que no final fique ainda melhor!

Porém, não vim aqui dar a minha impressão sobre o livro - até porque ainda estou na página 68 de 342 -, vim porque no capítulo 16 me deparei com uma dupla que conheci bem durante este ano e porque, como acontece de vez em quando comigo [vide o Coleção de Ideias], achei na Elizabeth Gilbert mais uma autora que escreve e descreve coisas como eu mesma poderia estar fazendo. Então, vim deixar, nas palavras dela, o que eu, obviamente, não traduziria melhor sobre situações minhas.

"(...) Mas quando paro e me apoio em uma balaustrada para admirar o pôr do sol, acabo pensando um pouco demais, e meus pensamentos se tornam sombrios, e é então que as duas me encontram.
Aproximam-se de mim, silenciosas e ameaçadoras como detetives particulares, e me cercam - a Depressão pela esquerda, a Solidão pela direita. Sequer precisam me mostrar seus distintivos. Eu as conheço muito bem. Há anos que temos brincado de gato e rato. Embora eu reconheça que estou surpresa por encontrá-las neste elegante jardim italiano ao entardecer. Elas não combinam com este lugar.
Pergunto a elas:
"Como vocês me encontraram aqui? Quem disse a vocês que eu tinha vindo para Roma?"
A Depressão, sempre bancando a esperta, diz:
"Como assim, você não está feliz em nos ver?"
"Vá embora", digo a ela.
A Solidão, a mais sensível das duas, diz:
"Desculpe, mas eu talvez precise seguir a senhora durante toda a sua viagem. É a minha missão."
"Eu preferia que você não fizesse isso", digo-lhe, e ela dá de ombros, quase pedindo desculpas, mas se aproximando ainda mais.
Então elas me revistam. Esvaziam meus bolsos de qualquer alegria que eu estivesse carregando aqui. A Depressão chega a confiscar minha identidade; mas ela sempre faz isso. Então a Solidão começa a me interrogar, coisa que detesto, porque sempre dura horas. Ela é educada, mas implacável, e sempre acaba me encurralando. Pergunta se eu acho que tenho algum motivo para estar feliz. Pergunta porque estou sozinha esta noite, outra vez. (...)
Volto a pé para casa, esperando conseguir me livrar delas, mas elas continuam a me seguir, essas duas capangas. A Depressão me segura firme pelo ombro e a Solidão me bombardeia com seu interrogatório. Sequer tenho forças para jantar; não quero que elas fiquem me espionando. Também não quero que subam as escadas até o meu apartamento, mas conheço a Depressão, e sei que ela carrega um cassetete, então não há como impedí-la de entrar, se ela decidir que quer fazer isso.
"Não é justo vocês virem aqui", digo à Depressão. "Já paguei vocês. Já cumpri a minha pena lá em Nova York."
Mas ela simplesmente me dá aquele sorriso sombrio, acomoda-se em minha cadeira preferida e acende um charuto, enchendo o aposento com sua fumaça desagradável. A Solidão olha aquela cena e dá um suspiro, em seguida deita-se na minha cama e se cobre com as cobertas, inteiramente vestida, de sapato e tudo. Estou sentindo que vai me obrigar a dormir com ela de novo esta noite."



-------> "Gilbert, Elizabeth. Comer, rezar, amar. Elizabeth Gilbert ; tradução Fernanda Abreu. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2008".